Você sabia que, no Brasil, existem mais celulares do que pessoas?
Em 2020, o país tinha 226,3 milhões de celulares e uma população de 203 milhões de brasileiros. Ou seja, 106,93 celulares para cada grupo de 100 habitantes. As pesquisas expõem que boa parte desses aparelhos estão nas mãos de crianças e adolescentes:
- 82% das crianças brasileiras têm acesso à internet (10 a 13 anos de idade);
- 55% já possui celular (idade entre 10 e 13 anos);
- 95% das crianças e adolescentes entre 9 e 17 anos de todo o país acessam a Internet, principalmente redes sociais como o Instagram (66%) e o TikTok (63%);
- Nos Estados Unidos, pesquisa aponta que adolescentes entre 13 e 18 anos gastam mais de 6 horas por dia na internet, sem contar acessos por demandas escolares. Entre crianças de 8 a 12 anos a média do uso diário de telas é de 4.6 horas.
Fontes: Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), Censo Demográfico 2022 / Pesquisa TIC Kids Online Brasi / Rideout, 2015
Os smartphones foram popularizados há menos de 20 anos e já se tornaram objetos quase onipresentes na vida de todos. No entanto, a tecnologia evoluiu mais rápido do que a nossa capacidade de adaptação. Fato é que diversas pesquisas sugerem o impacto na saúde mental causado pelo excesso de telas, principalmente na infância e juventude.
Nos últimos anos, temos observado um preocupante crescimento dos casos de transtornos mentais e de suicídio entre crianças e adolescentes. Alguns estudos também demonstram redução da capacidade cognitiva deste público.
Uma questão de extrema importância que demanda ação de todos os atores da sociedade.
Em 2022, pela primeira vez na história, os registros de ansiedade entre crianças e jovens superam os de adultos, como mostra a análise da Folha a partir de dados da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) do SUS, disponíveis de 2013 a 2023.
Em 2023, a taxa de pacientes de 10 a 14 anos atendidos por transtornos de ansiedade foi de 125,8 a cada 100 mil e de 157 a cada 100 mil entre os jovens de 15 a 19 anos, índices que superam a taxa de 112,5 a cada 100 mil referente às pessoas com mais de 20 anos.
O Relatório Mundial da Felicidade de 2023, elaborado pela ONU, também aponta uma tendência à maior sensação de infelicidade entre os jovens. A informação contraria a trajetória, considerada até então normal, que aponta mais felicidade na juventude, com uma queda na vida adulta e uma retomada na terceira idade, a chamada trajetória em “U”.
A pandemia certamente foi um fator que impactou mais fortemente a saúde mental desse grupo, em 2019 os adolescentes representavam 14% dos casos de transtornos mentais, pulando para 36% no período pós-pandemia.
Contudo, os indícios de que os hábitos de vida contemporâneos – em que a internet e redes sociais têm um papel central – têm colaborado para a piora da saúde mental, especialmente de crianças e adolescentes nativos digitais.
Diante deste cenário, o debate sobre o uso de celulares pelos mais novos é pertinente e urgente.
Fonte: dados do PISA Global – avaliação internacional de estudantes realizada pela OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
O autor e psicólogo social Jonathan Haidt em seu novo e aclamado livro “A Geração Ansiosa” – aponta as redes sociais como grandes responsáveis pela alta nos casos de depressão entre adolescentes.
“Estamos superprotegendo nossos filhos na vida real e não estamos protegendo o bastante na internet.” – Jonathan Haidt
Apesar da tecnologia trazer incontáveis benefícios, facilidades e conexões, precisamos aprender a lidar melhor com ela.
“Com WhatsApp e outras redes, o trabalho invade a nossa vida familiar e o nosso lazer. Precisamos aprender a dar limites, sem perder a produtividade. Se a gente não consegue descansar, acabamos por ter nossa capacidade produtiva reduzida e os riscos de desenvolver problemas de saúde mental aumentados” – afirma o psiquiatra e presidente do Instituto Ame sua Mente, Rodrigo Bressan.
Se para nós, adultos, a missão de gerenciar o papel das tecnologias em nosso dia a dia já é bastante desafiadora, imagine para as crianças e jovens que ainda não têm o repertório emocional e a habilidade de colocar tais limites. Por se tratar de um hábito que se mostra prejudicial à saúde mental e ao desempenho escolar, a atenção e interferência por pais e cuidadores se fazem necessárias.
A restrição do uso de celulares nas escolas
A restrição ao uso de celulares em escolas é um tema que tem sido debatido intensamente no Brasil e no mundo. Nos Estados Unidos, uma organização de mães entrou com ação judicial contra o Meta para que tomem providências para minimizar o efeito viciante das redes sociais da plataforma.
Em São Paulo, o projeto de lei que proíbe uso de aparelhos com acesso à internet por alunos nas escolas está em discussão na Assembleia Legislativa. Pode-se usar como referência intervenções de outros países, como na Espanha onde a proibição do uso dos celulares no ambiente escolar demonstrou reduzir o bullying em 10% a 18% dos casos.
Acompanhado a tendência, organizações de mães no Brasil começam a aparecer, como o “Movimento Desconecta”, que tem o intuito de influenciar a decisão de restrição total do uso de celulares nas escolas. A iniciativa também defende que haja um acordo entre pais e filhos para que os jovens só tenham acesso a smartphones aos 14 anos e que só acessem as redes sociais a partir dos 16 anos, reduzindo a barreira social para postergar esses hábitos.
“Qualquer tremor do celular já faz a pessoa perder o foco”, destaca Rodrigo Bressan. O ponto é corroborado por um estudo da Common Sense Media que estima que os jovens recebem, em média, 237 notificações por dia em seus celulares.
“Além disso, os conteúdos da mídia social nem sempre são benéficos para o jovem e reduzem a sociabilidade. Uma das formas pelas quais a escola educa é promovendo a sociabilidade e mediando conflitos”, conclui o psiquiatra.
Cuidar da mente é cuidar da gente! Quanto mais cedo melhor!