Entrevista Rodrigo Bressan

O período da pandemia de Covid teve forte impacto na nossa saúde mental: enfrentamos uma ameaça comum a todos, tivemos que lidar com o isolamento social, com o luto, preocupações, mudanças em diversas áreas da vida e sentimentos como o medo e a ansiedade.

Ao mesmo tempo, nunca se falou tanto sobre saúde mental quanto nesses últimos anos. Notícias no jornal, publicações nas redes sociais e mensagens no WhatsApp falam sobre o aumento dos casos de depressão e transtorno de ansiedade. Ficamos com a impressão de que a emergência global da covid-19 deixou como sequela uma pandemia na saúde mental.

Mas, estamos vivendo uma pandemia de fato? Esse foi o tema da aula inaugural do Projeto Ame Sua Mente na Escola para os educadores da rede pública de ensino da cidade de Santos. O encontro contou com a participação do presidente do Instituto, psiquiatra, neurocientista e professor, Rodrigo Bressan, que esclareceu algumas questões centrais sobre depressão e ansiedade, tão comuns entre nós. Confira abaixo, em formato de perguntas e respostas, alguns “recortes” dessa conversa!

O que é saúde mental?
Estamos o tempo todo negociando com as nossas emoções, causadas pelos diferentes estímulos, eventos ou momentos da vida. Estresse, tristeza, medo, raiva… todas essas emoções fazem parte da saúde mental. No entanto, precisamos estar atentos à intensidade destes sentimentos, aquilo que nos põe no limite de funcionamento.

O problema de saúde mental acontece quando o estresse aumenta um pouco, ficando mais difícil enfrentar uma questão. Por exemplo: quando você tem uma prova importante, uma dificuldade na relação, uma doença na família. A duração e intensidade dos sintomas, como irritação, ansiedade, insônia ou tristeza é um pouco maior, mas estamos sempre negociando com esses estados.

No caso de um transtorno mental, normalmente ocorre a impossibilidade de superação daquele sentimento e este estado mental fica com uma intensidade que causa um impacto importante na vida da pessoa, durante um período maior. Assim, o transtorno acaba por definir esse indivíduo, se misturando com seu comportamento e a doença vai se solidificando, se não tratada adequadamente. 

Houve um aumento do número de pessoas com transtornos mentais, como o transtorno depressivo e de ansiedade, nos últimos anos?
Apesar da venda de remédios psiquiátricos e consultas terem aumentado, de acordo com algumas pesquisas, o número de transtornos mentais não demonstrou o mesmo crescimento. O que aconteceu é que pessoas que já apresentavam alguma demanda psicológica reprimida passaram a buscar acompanhamento de profissionais da saúde. É verdade que existe um aumento dos casos de ansiedade e depressão, assim como taxas de suicídios entre os jovens, mas não tanto quanto parece. Isso não é uma pandemia. O fato de se falar mais sobre Saúde Mental, em muitos casos, acabou por vencer o estigma, fazendo com que as pessoas procurassem ajuda. 

Como esse período de isolamento social impactou adolescentes e crianças?
Uma questão interessante é que 1 ou 2 anos na vida de um adolescente representa muito mais do que 10 anos para um adulto. Hoje, não há mais juventude sem pandemia, e esse período representa uma janela importante na construção da individualidade dos adolescentes, que não puderam conviver normalmente. O tempo em que houve isolamento, com aulas online, privou crianças e adolescentes da convivência no espaço escolar, o que por si, já é um exercício de aprendizagem socioemocional, já que a escola é um espaço de mediação de conflitos. Além disso, esse recolhimento desestruturou a capacidade desses jovens de manter a atenção necessária para assistir aulas e fazer provas. Eles desaprenderam. Podemos dizer que os jovens voltaram despreparados para o sistema de ensino presencial. Assim, fatores estressantes que já aconteciam antes da pandemia ganharam uma magnitude muito maior.

A depressão é genética ou fatores ambientais, como a relação em família, podem causar o desenvolvimento de um transtorno mental?
É muito interessante olhar por essa perspectiva. A grande maioria das doenças têm componentes genéticos e ambientais. Então, vamos pensar na diabetes: se uma criança com 6 anos de idade desenvolveu a doença, a carga genética é muito elevada, porque nem deu tempo desta criança ser exposta a tanta comida e ao sedentarismo. Agora, já alguém de 60 anos, obeso, sedentário e que está desenvolvendo diabetes demonstra uma carga ambiental muito maior, pois só foi desenvolver a doença nesse momento da vida. Para os transtornos mentais é a mesma coisa, você sempre tem uma predisposição genética que pode ser maior ou menor dependendo da pessoa. Entender a complexidade de um transtorno é saber que existem vários fatores que precisam ser analisados e sobre os quais a gente tem que agir, compreendendo toda a abrangência do fenômeno.

Vivemos no país mais ansioso do mundo. Como podemos identificar se estamos com uma questão de saúde mental? Como prevenir?
Quando a gente fala “ansiedade” falamos de um sintoma. Por exemplo: “Eu estou ansioso para dar aula aqui”; “Estou ansioso porque meu filho não chegou em casa e já é meia-noite”. Ter ansiedade faz parte de uma forma saudável de viver o dia a dia. Ela é um sintoma adaptativo, ou seja, quanto maior o estímulo, maior será a ansiedade que teremos. Mas quando esse sintoma passa a incomodar, ficando desproporcional e prejudicando as tarefas ou relações de alguém por considerável período, temos o transtorno de ansiedade propriamente dito.

Existem vários impactos dos transtornos mentais na vida das pessoas. A procrastinação é uma das consequências da ansiedade e da depressão?
A procrastinação pode ocorrer em diversas situações: quando você está deprimido ou ansioso, certamente. É aquela sensação de que você precisa fazer a coisa e aí não consegue fazer, encontra uma desculpa, vai dar uma caminhada e não faz, então se sente angustiado e culpado. E existe um ciclo vicioso, né? Eu não faço, me sinto culpado e ao me sentir culpado, mais difícil fica de eu fazer. Então, é algo que a gente tem que combater, porque essa dinâmica, não te ajuda a fazer o que precisa. A melhor coisa é ter um pouco de autocompaixão. Se eu consigo aceitar que eu não estou dando conta, é mais fácil eu me tranquilizar e conseguir fazer a tarefa do que se eu ficar me punindo. A culpa gera um círculo vicioso difícil de quebrar.

Você tem alguma dica de como abordar um colega de trabalho que pode ter problemas de saúde mental?
O suporte de pares tem uma evidência científica de ser altamente eficaz para a resolução de problemas de saúde mental. Então, um colega ser ouvido por outro que pratica a escuta ativa tem um efeito extremamente positivo. Mas, uma coisa “chave” é achar que pode resolver tudo: “A gente vai fazer isso e vai resolver tudo”. Alguns podem estar com problemas mais graves e devem procurar terapia, eventualmente procurar um psiquiatra, um médico que possa cuidar do quadro depressivo, ansioso ou qualquer outro. 

Você poderia falar um pouco sobre autocuidado no contexto de saúde mental?
Acho que a mensagem principal quando a gente está falando de saúde mental é essa ideia da gente palpar a nossa mente. “Como é que eu estou me sentindo? Até onde eu vou? Até onde eu consigo ou não consigo?”. Para isso, é bom ter ajuda de quem está perto, que nos enxerga de fora para dentro. Às vezes, um companheiro, um familiar próximo, amigo ou até mesmo um colega de trabalho pode falar “Pô, você está mais irritado …” Isso ajuda a gente a se auto regular e buscar estratégias para restabelecer o equilíbrio. 

Outra coisa que para a nossa sociedade é essencial é o manejo do tempo. Pensar o tempo antes de começar a fazer uma coisa atrás da outra… Qual a minha prioridade? Eu costumo dizer que eu tenho um privilégio, que é de trabalhar com algo que, para mim, tem propósito. Mas quando a gente faz alguma coisa que tem propósito, temos que fazer com cabeça. A gente tem que dosar muito o nosso movimento, usar a inteligência para saber os nossos limites, para evitar entrar em um ciclo de sobrecarga que vai refletir na nossa saúde mental.

Aproximadamente 25% da população vai ter algum transtorno mental ao longo da vida. Os transtornos mentais começam cedo, 50% dos casos se manifestam até os 14 anos de idade, por isso é tão importante a intervenção precoce, pois ela pode mudar a trajetória desses jovens. Com o acompanhamento adequado por um profissional da saúde, é possível ter uma melhor qualidade de vida e evitar o desenvolvimento de transtornos mais graves na vida adulta. Assim, também prevenimos muita coisa: diminuímos a taxa de repetência dos alunos, combatemos a violência e a dependência de drogas.

* O projeto Ame Sua Mente na Escola visa o letramento de profissionais da educação, para que esses agentes possam se tornar aliados na promoção da saúde mental, combate ao estigma e prevenção de transtornos mentais no ambiente escolar.

Cuidar da mente é cuidar da gente. Quanto mais cedo, melhor! 

Clique aqui e assista, na íntegra, a nossa aula inaugural com o Dr. Rodrigo Bressan, utilizada como base dessa matéria de blog.

Publicado em 12 de Outubro de 2023

© 2023 por Ame sua Mente

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