A série Adolescência, recém-lançada na Netflix, tem provocado reflexões importantes ao abordar temas fundamentais para a saúde mental e o bem-estar dos jovens. Com apenas quatro episódios gravados em plano sequência, a produção chama atenção para os perigos do cyberbullying e dos grupos de ódio na internet.
Mas o que a história revela, de fato, sobre os riscos da hiperconectividade e da solidão silenciosa dos adolescentes? Além disso, como os responsáveis e educadores podem atuar para protegê-los em um mundo digital que, não raramente, intensifica o sofrimento emocional, o isolamento e a intolerância?
Na trama, Jamie Miller, um garoto de 13 anos, com uma vida aparentemente estável e uma família estruturada e amorosa, é preso, acusado de um crime brutal. Ao longo dos episódios, a série levanta questões importantes, tais como a violência silenciosa que habita o universo online, a ausência de um ambiente escolar preparado para lidar com essa nova realidade e, sobretudo, a culpa paterna.
Cyberbullying: o bullying que não tem hora nem lugar
A adolescência é uma fase marcada por intensas transformações — físicas, emocionais e nas relações. A busca por autonomia e pertencimento torna os jovens especialmente vulneráveis a agressões psicológicas e intimidações sistemáticas, que podem deixar marcas profundas na saúde mental.
A adolescência é uma fase chave para a estruturação da identidade do indivíduo. Estudos demonstram que nessa faixa etária, a opinião dos pares é muito mais importante do que a dos pais e professores. Portanto, todo assédio ocorrido dentro das redes sociais é potencializado na vivência dos jovens.”, diz o psiquiatra e presidente do Instituto Ame Sua Mente (IASM), Rodrigo Bressan.
Além disso, o ambiente virtual dissemina o bullying para outros círculos de jovens, inclusive se estendendo a outras escolas. “O cyberbullying muitas vezes se mantém enquanto as informações estão circulando na Internet. Isso acaba perpetuando a prática para onde quer que a vítima vá, agravando, assim, os impactos psicológicos sobre ela”, acrescenta o psiquiatra e especialista do IASM, Gustavo Estanislau.
Neste contexto, é imprescindível que o jovem desenvolva estratégias de enfrentamento ao assédio virtual, com o apoio de uma rede que inclua família, colegas, professores e outras figuras de referência. A falta da intervenção dos adultos pode levar à cronificação do sofrimento do adolescente que, sem esperanças, tem a saúde mental comprometida devido aos altos níveis de estresse. “A cronificação do sofrimento pode causar comportamentos desviantes que vai de heteroagressividade (violência contra pessoas) a autoagressividade (por exemplo, autolesão e suicídio)”, diz Bressan.
O jovem está seguro dentro do quarto?
Adolescência também destaca a falsa ideia de que os jovens estão mais seguros “dentro de casa”. Na prática, muitos dos perigos que tememos nas ruas estão potencializados no ambiente digital — e quase sempre sem conhecimento dos adultos.
A preocupação em respeitar a privacidade dos filhos frequentemente nos leva a negligenciar a supervisão necessária. Contudo, quando jovens em situação de vulnerabilidade não encontram apoio adequado, tendem a ser atraídos por comunidades online que propagam discursos de ódio. Nesses ambientes digitais, sentimentos de frustração e insegurança são sistematicamente canalizados para a misoginia e a violência.
Um exemplo emblemático dessa dinâmica, ilustrado pela série em questão, é o movimento incel (celibato involuntário). Nesse contexto, indivíduos atribuem às mulheres a responsabilidade por sua inexperiência afetiva e sexual, chegando, em situações extremas, a incitar agressões contra elas. Vale destacar que essas manifestações ocorrem majoritariamente em espaços virtuais fechados, onde o anonimato e a falta de moderação facilitam a proliferação dessas ideias, tornando-as menos visíveis aos olhos de pais e educadores.
Diante desse cenário, torna-se imprescindível monitorar as atividades digitais de crianças e adolescentes com a mesma atenção dedicada a seus compromissos offline. Afinal, sem essa vigilância atenta, tais problemas se desenvolvem de forma silenciosa, escapando à percepção daqueles que poderiam intervir de maneira preventiva.
A importância do diálogo e da escuta ativa na adolescência
Um dos pontos centrais da história é o distanciamento emocional entre pais e filhos — uma lacuna que, na era digital, parece ter se ampliado mais. “Estamos todos no mesmo barco. Os códigos dos adolescentes sempre foram difíceis de entender, mas com a internet, essa distância ficou ainda maior”, afirma Bressan.
Falar sobre saúde mental é parte essencial da solução — especialmente na adolescência, fase em que esse diálogo é desafiador. A maior parte dos jovens não se sente à vontade para compartilhar seus sofrimentos com os responsáveis. Ao mesmo tempo, vivemos em uma cultura em que os pais acreditam ser sua responsabilidade garantir a felicidade dos filhos e poupá-los de qualquer sofrimento — um ideal inatingível que, quando frustrado, costuma gerar culpa, um sentimento paralisante que dificulta a imposição de limites essenciais ao desenvolvimento dos adolescentes.
Por isso, a forma como os adultos reagem aos conflitos faz toda a diferença. “Recomendamos um diálogo aberto e empático. Para isso, é essencial criar um ambiente seguro, escutar com atenção e usar linguagem clara e adequada à idade. Validar sentimentos, oferecer informações confiáveis e incentivar estratégias saudáveis de enfrentamento são pontos-chave. A participação ativa dos jovens nas decisões sobre seu cuidado também fortalece sua autonomia”, explica Bressan em entrevista para a Veja.
Mais do que uma série de entretenimento, Adolescência é um convite à reflexão. Uma oportunidade para que famílias, educadores e toda a sociedade se unam na construção de ambientes mais seguros, acolhedores e inclusivos. É preciso construir uma relação de confiança e quanto mais cedo houver essa conexão, maior a chance de diálogo no futuro.
Confira estratégias para prevenir os riscos da hiperconexão:
- Evite que menores de 16 anos usem redes sociais sem orientação;
- Utilize ferramentas de controle parental com diálogo e respeito à privacidade;
- Estabeleça limites saudáveis de tempo de tela;
- Estimule atividades presenciais que promovam vínculos e habilidades emocionais;
- Mostre interesse genuíno pelas emoções e experiências dos filhos;
- Busque momentos de conexão, em atividades que se sintam à vontade.
Fique atento a possíveis sinais de sofrimento emocional, como:
- Queda no rendimento escolar;
- Isolamento social;
- Irritabilidade constante ou agressividade exacerbada;
- Alterações no apetite e no sono;
- Tristeza persistente e baixa autoestima;
- Mudanças bruscas de comportamento ou humor.
Outros comportamentos podem sinalizar que o jovem está sendo vítima de bullying ou cyberbullying:
- relutância em ir para a escola;
- Inventar desculpas ou fingir doenças;
- Medo ou ansiedade visível ao falar de colegas ou ao usar o celular;
- Mudanças súbitas nas amizades;
- Choro após usar o celular;
- Desligar ou esconder a tela rapidamente quando alguém se aproxima.