O retorno das aulas presenciais representa uma série de desafios. Muitos educadores estão preocupados em reestabelecer a rotina e recuperar o processo de aprendizagem, já que o isolamento social resultou em muitos casos de defasagem no aprendizado, bem como, de redução da capacidade cognitiva dos alunos. Esses, porém, não são as únicas adversidades no processo de retomada. A escola também é um espaço de convivência. Por isso, com a pandemia, as emoções e questões entre alunos e saúde mental passaram a fazer parte da rotina dos professores. Nós aqui do Instituto Ame sua Mente sabemos que estamos diante de um cenário bastante delicado e, quando se trata de saúde mental, generalizar soluções não é o caminho. Porém, queremos dar algumas dicas de como identificar alunos com questões de saúde mental e qual a melhor forma de oferecer acolhimento e suporte.
O papel da escola e do educador
Quando falamos em saúde mental na escola, os sentimentos dos professores em relação ao tema costumam ser os mesmos: medo, insegurança e impotência. A maioria acredita que não possui habilidades para lidar com essas questões ou se sente confusa na hora de oferecer qualquer encaminhamento. Existem também situações em que, por não saber identificar problemas de saúde mental, o educador acaba interpretando de forma equivocada o comportamento do aluno. Nesses casos, a falta de diálogo, ou até mesmo a aplicação de punições, costuma agravar o problema, trazendo mais conflitos para o ambiente escolar. Mesmo que a maior parte dos educadores não tenha recebido qualquer formação para lidar com questões de saúde mental é importante saber identificar quando algo não vai bem. O professor não é responsável pelo diagnóstico, mas seu olhar atento pode evitar que os problemas de saúde mental de hoje se transformem em transtornos mentais no futuro. Como falamos em nosso podcast “A importância da prevenção em saúde mental”, o conhecimento precoce pode evitar que questões pontuais de saúde mental se desenvolvam para os transtornos.
Os efeitos colaterais de uma pandemia
Durante a pandemia, cada aluno enfrentou uma situação particular. Alguns vivenciaram o luto de parentes e amigos queridos, outros passaram a assumir novas responsabilidades em casa para que os pais pudessem trabalhar. De modo geral, todos enfrentaram momentos de incerteza, medo, estresse, ansiedade e tudo isso, naturalmente, se reflete, agora, no ambiente escolar. “A pandemia gerou uma quebra de rotina, promovendo uma sensação de alerta em todos nós. Além disso, a insegurança é outro sentimento presente em razão da instabilidade do momento. Por fim, existe a desmotivação. Com o isolamento, o repertório de atividades que nos davam prazer se reduziu de forma significativa, o que acaba trazendo essa sensação de desmotivação “, explica o psiquiatra Gustavo Estanislau, especialista do Instituto Ame sua Mente. Nesse cenário, é comum perceber que as respostas aos estímulos, assim como o comportamento dos alunos, está diferente. Por exemplo, alguns estudantes estão mais preocupados, outros mais ansiosos, medrosos ou impulsivos. Porém, entre as diversas formas de reação é importante saber identificar os sinais de alerta e diferenciá-los dos efeitos colaterais da pandemia.
Sinais de alerta
Primeiramente, precisamos entender por que esses comportamentos considerados como sinais de alerta são tão perceptíveis no ambiente escolar. A resposta é simples: para muitos alunos a escola é um porto seguro. É lá que eles encontram suas relações de amizade e identificação, de modo que, no ambiente escolar, eles se sentem mais à vontade para extravasar suas emoções. Em geral, as mudanças bruscas de comportamento, são os primeiros sinais que merecem atenção. Um aluno extrovertido e falante que começa a se mostrar mais silencioso e resistente ao contato, por exemplo, merece um olhar mais atento do professor. Já com as crianças, os sinais de alerta se manifestam de outra maneira. Como os pequenos nem sempre conseguem verbalizar o que estão sentindo, é normal que eles demonstrem seus sentimentos por meio de ações exacerbadas de raiva ou tristeza. Durante esse período de volta às aulas, sem dúvida, diferenciar os sinais de alerta dos efeitos colaterais da pandemia, nem sempre é uma situação simples. Porém, como explica o psiquiatra Gustavo Estanislau “ Uma boa dica é montar um painel com o nome de cada aluno e ir sinalizando com uma fita verde, uma amarela e uma vermelha, aqueles que estão com mais ou menos dificuldades de se adaptar. A fita verde representa aquele aluno que responde bem à adaptação; já a amarela é para aquele aluno que está resistente, e por fim a vermelha é aquele aluno que tem dificuldade de voltar ou não responde aos estímulos mais próximos da rotina normal de sala de aula”.
Ações de acolhimento
Promover ações de acolhimento que ajudem na socialização também é uma boa estratégia. Por exemplo, dialogar com os alunos sobre esse momento e promover atividades lúdicas são ótimas iniciativas para diminuir as tensões, o desconforto, trabalhar o medo e as inseguranças. Os educadores devem lidar com as questões de saúde mental tanto na esfera individual quanto na coletiva, criando um espaço seguro onde os alunos possam se expressar. Em dinâmicas coletivas, como rodas de conversa, os jovens conseguem relativizar suas questões individuais e assim superá-las com mais facilidade. Na visão do psiquiatra Gustavo Estanislau, uma das melhores maneiras de realizar rodas de conversa é pedindo para que os alunos escrevam antes sobre os temas que querem debater ou o próprio professor escolhe um fio condutor para iniciar a roda. “Em alguns casos começar às cegas uma roda de conversa pode trazer à tona situações constrangedoras a traumáticas, que podem expor um aluno ou colocar o professor diante de um cenário que ele não se sente preparado para lidar. O ideal é ter um fio condutor, que ajuda a diminuir o espectro de assuntos diversos que podem surgir especialmente nos primeiros encontros ”, explica Estanislau. Também é importante estimular o convívio social, já que o processo de aprendizagem é pautado nele. Mesmo que alguns estudantes estejam confortáveis em casa, essa dinâmica acaba retirando a motivação do aluno e minimizando sua capacidade de interagir e aprender. De fato, o momento de retomada é um grande desafio para todos. Assim, precisamos preparar o ambiente escolar para que ele se torne mais acolhedor e favoreça a recuperação dos processos de aprendizagem.