Famílias divididas: por que rompimentos ficaram mais comuns
Situações envolvendo rompimento de laços entre jovens adultos e seus pais está se transformando em algo corriqueiro. Embora ainda não haja um aprofundamento sobre o tema, alguns especialistas já começaram a estudar o assunto. É o caso do professor de desenvolvimento humano da Universidade Cornell, nos Estados Unidos, Karl Andrew Pillemer, que escreveu o livro publicado em 2020 “Fault Lines: Fractured Families and How to Mend Them (“Linhas falhas: famílias fragmentadas e como reuni-las”, em tradução livre). Segundo a pesquisa conduzida por Pillemer, a cada quatro norte-americanos, um relata ter se afastado de algum parente. Outro estudo, realizado no Reino Unido, aponta que uma em cada cinco famílias está vivenciando situações de ruptura provocada por filhos na idade adulta.
Mas, por que há um crescente número de filhos que estão cortando relações com seus pais? Muito além do conflito de gerações causado pela divergência de valores, eles alegam que o distanciamento ocorre por questões de saúde mental. De acordo com os especialistas, à medida que os jovens adultos se conscientizam sobre o tema e entendem como os relacionamentos tóxicos podem impactar nosso bem-estar, famílias disfuncionais são desmembradas ou colocadas em xeque, podemos dizer assim.
Saúde mental e laços familiares
Os conflitos familiares não são novidade. Na verdade, eles atravessam gerações e podem ter diferentes motivos. Brigas envolvendo herança, disputa por bens ou posições em empresas familiares já foram bastante comuns. Porém, o que está mudando é que, atualmente, o rompimento entre pais e filhos se dá como uma forma de crescimento pessoal e imposição de limites pelas gerações mais novas. Decidir quem são as pessoas que convivem conosco é uma estratégia importante tanto para a nossa qualidade de vida, quanto para a manutenção da nossa saúde mental.
Outros fatores que têm impulsionado esse questionamento são o acesso à informação sobre saúde mental e recursos como a terapia, por exemplo. Dessa forma, os jovens adquirem mais conhecimento sobre as dinâmicas familiares, ficando mais fácil identificar aquelas que são disfuncionais, ou seja, baseadas em relações de abuso e negligência. O impacto psicológico dos relacionamentos tóxicos é grande e superá-los pode ser uma jornada. Por isso, para muitos, o melhor caminho é se afastar e resolver individualmente suas questões familiares.
Em inúmeras culturas, o núcleo familiar é tão sólido que a quebra de vínculos é inimaginável. Porém isso vem mudando… O movimento de ruptura de laços entre pais e filhos vem se transformando em algo mais comum, tanto que em alguns países e determinadas culturas ele está sendo considerado aceitável.
Naturalmente, se afastar nem sempre é a melhor solução, já que essa atitude também traz dor e sofrimento. O que muitos jovens adultos justificam é que, embora nem sempre seja fácil, o distanciamento da família é mais saudável do que a convivência.
Romper laços familiares tóxicos, sem dúvida, pode trazer uma sensação de liberdade e auxiliar na recuperação da saúde mental. Mas isso não significa que todo o processo não seja acompanhado de muito estresse, sentimentos de instabilidade, vergonha e vazio. Em algumas datas comemorativas, como no caso do Natal, Ano Novo e aniversários, por exemplo, o sofrimento é inevitável para muitas destas pessoas.
O impacto dos relacionamentos tóxicos
Diferentes experiências adversas na infância contribuem para o desenvolvimento de problemas de saúde mental. Situações envolvendo violência, abuso ou negligência, testemunhar atos violentos, vivenciar a tentativa de suicídio de um familiar ou mesmo a sua consumação, abuso de substâncias, abuso sexual, divórcio ou a prisão de um membro da família. Essas são apenas algumas das experiências adversas na infância listadas e que podem gerar traumas e impactos na saúde mental durante a vida adulta.
Para os especialistas, essas experiências impactam na probabilidade da criança desenvolver, futuramente, comportamentos de risco, doenças crônicas, além de vários transtornos mentais, como por exemplo, depressão, ansiedade e transtorno do estresse pós-traumático. Em muitos casos, o indivíduo manifesta comportamentos de defesa que durante a infância serviram para protegê-lo, mas que na vida adulta são extremamente prejudiciais.
É possível reconstruir laços e superar os conflitos?
O mundo está passando por uma série de transformações que acabam influenciando a forma como nos relacionamos. Não é difícil observar que as pessoas estão cada vez mais individualistas e com dificuldades de aceitar críticas e opiniões divergentes. Muito disso decorre dos efeitos adversos das redes sociais e algoritmos que tendem a nos acomodar em uma bolha de informações e crenças. Isto é, devido ao estímulo que recebemos em nossos feeds, acabamos acessando apenas posts e pessoas que pensam como a gente. Desta forma, reforçamos nossas crenças, ao mesmo tempo que ficamos cada vez menos tolerantes a outros pontos de vista. Não é à toa que as brigas em grupos do WhatsApp ou mesmo nas reuniões de família se tornaram mais frequentes, gerando inúmeros rompimentos.
Segundo Pillemer, não existe uma regra quando se trata de reconciliação e reconstrução de laços. Para algumas pessoas é saudável tentar uma reaproximação, já para outras o distanciamento ainda é a melhor opção. Na visão do pesquisador, a reconstrução de laços e como fazê-la ainda é uma questão prematura, pois faltam mais estudos sobre o tema.
De toda forma, é importante ficar atento às relações abusivas e tóxicas e seus impactos na saúde mental. Mais do que promover o diálogo é preciso assumir a responsabilidade pela própria saúde mental e procurar ajuda sempre que necessário. Talvez você não mude o relacionamento com seus pais e resolva todos os conflitos da família. Porém, um novo olhar para eles, pode trazer outra perspectiva para a relação e mais tranquilidade para a sua mente.
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