Quando a dor afeta o coração
Já pensou se uma emoção fosse capaz de alterar o funcionamento do coração? E não estamos falando apenas de palpitações ao ver a pessoa amada ou quando o seu time de coração vence na final do campeonato. São mudanças físicas na constituição do órgão responsável pela circulação do sangue que aparecem por conta de um evento marcante ou esforço físico excessivo. Por ter sido identificada inicialmente a partir de acontecimentos trágicos, como a morte de um ente querido ou o fim de um relacionamento, a doença ficou conhecida como síndrome do coração partido. Ainda assim, acontecimentos positivos e estresse físico podem desencadear o quadro, mesmo que em menor proporção.
Bastante desconhecida pelo grande público, a síndrome voltou a ser foco de estudos com o seu crescimento ao longo desses anos de pandemia do novo coronavírus. Certamente, um dos eventos mais estressantes da atualidade e que afetou diversos aspectos da vida das pessoas, desencadeando quadros severos de ansiedade e depressão. Pesquisadores da Cleveland Clinic, em Ohio, nos Estados Unidos, constataram um aumento no número de casos de cardiomiopatia de Takotsubo, saltando de 1,7% para 7,8% durante a pandemia. O estudo, publicado em julho de 2020 na JAMA Network Open, é um dos muitos que avaliam o impacto da COVID 19 em diferentes áreas da saúde.
No Brasil, a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) passou a coletar dados de 32 centros cardiológicos no País para criar um registro nacional de casos da síndrome. A iniciativa busca compreender como a doença se comporta e quais as características das pessoas mais afetadas. Segundo reportagem publicada no site da SBC, atualmente, o único levantamento disponível com dados nacionais sobre a doença mostrou que a média dos pacientes acometidos pela síndrome tinha 71 anos. Eram em sua maioria mulheres, com prevalência de dor torácica e histórico de estresse emocional considerável.
Apesar de limitada, segundo o presidente do Departamento de Insuficiência Cardíaca e coordenador da Universidade do Coração da SBC, Evandro Tinoco Mesquita, a pesquisa mostra que o tema precisa ser observado com seriedade. A condição pode ser recorrente em até 15% dos pacientes, com um índice de mortalidade de 10%. “Os resultados mostram não se tratar de uma patologia tão benigna como se pensava. Há riscos de complicações e mortalidade. Estratégias de abordagem específica devem ser desenvolvidas a fim de melhorar a qualidade do atendimento e os desfechos clínicos desses pacientes”, afirmou.
A descoberta do coração partido
Descrita pela primeira vez em 1990 por médicos japoneses, a cardiomiopatia induzida por estresse provoca uma disfunção súbita, mas passageira, no ventrículo esquerdo. A sensação é muito parecida com a de um infarto agudo do miocárdio, mas sem sinais de obstrução das coronárias. A equipe percebeu que havia uma oscilação no número de casos relatados em conexão com grandes catástrofes, como terremotos. Relativamente comuns no Japão, tais eventos sísmicos desencadeavam uma série de infartos que pareciam simplesmente desaparecer sem maiores consequências.
Sua causa exata permanece desconhecida, mas estudos sugerem que o grupo de hormônios catecolaminas, lançados em momentos de forte emoção, como a adrenalina, ocasiona uma alteração nas células dos músculos cardíacos e/ou nos vasos coronarianos impedindo que o ventrículo esquerdo se contraia de forma efetiva. Os pesquisadores perceberam que o coração adquire um formato bastante específico nos exames de imagem, semelhante ao de um “tako-tsubo”, objeto utilizado para caçar polvos no Japão. Por este motivo, a doença foi oficialmente batizada como síndrome de Takotsubo.
Estima-se que a condição seja responsável por cerca de 2% dos casos investigados como síndrome coronariana aguda no Brasil. Isso porque os sintomas são semelhantes ao de um infarto agudo do miocárdio, entre eles dor no peito, falta de ar, desmaios e sudorese abundante, que tendem a desaparecer espontaneamente. Ainda assim, o número pode ser maior. Por se tratar de um quadro transitório, muitas vezes os pacientes acabam não procurando atendimento médico.
O coração tende a se recuperar sozinho, mas o tratamento pode ajudar na reabilitação por meio de medicamentos para reduzir a pressão arterial e diminuir a frequência cardíaca. Além disso, podem ser utilizados remédios para ajudar a controlar o estresse e evitar novas crises.
A síndrome do coração partido, assim como outras condições cardíacas e doenças mentais, podem ser mitigadas com o auxílio de um estilo de vida mais saudável e equilibrado. Exercícios físicos moderados e atividades que reduzem o estresse são grandes aliados neste sentido. Ainda assim, é importante buscar atendimento especializado em caso de sintomas como dor no peito, falta de ar, cansaço extremo e batimentos cardíacos irregulares a fim de avaliar as condições cardiovasculares e receber o tratamento, se necessário.